12 de junho de 1993 – Um dia para a história e a decisão que eu pouco vi
- Vladimir Galli
- 15 de jun. de 2023
- 6 min de leitura
Por Fernando Cesarotti

Foto: Ormudzd Alves / Folhapress) A semana entre 6 e 12 de junho de 1993 foi insuportável. Todos os 16 anos de fila e seus respectivos fiascos caíram com suas toneladas sobre as costas dos palmeirenses. Para piorar, naquele ano o feriado de Corpus Christi cairia na quinta-feira entre as duas partidas da final do Paulistão – e aquela foi a primeira vez que ouvi o trocadilho “Porcus Tristi” ser citado, durante absolutamente todos os dias úteis daquela semana.
Aliás, a encheção de saco começou no próprio domingo. Eu frequentava um grupo de jovens na igreja católica do meu bairro que se reunia todos os domingos às 5 da tarde – mas naquele domingo 6 de junho muita gente chegou atrasada, claro, só saiu de casa depois que o jogo acabou. E lá a maioria, inclusive meus melhores amigos, era de corinthianos ou são-paulinos.
Aliás, esse era um problema crônico do palmeirense que cresceu na fila: a quase solidão. Em 1993 eu cursava o 1º colegial (aquilo que hoje se chama Ensino Médio) e na minha turma, pelo menos do que me lembro daquele ano, não tinha outros palmeirenses; tinha um santista, cujo apelido obviamente era “Peixe”, e o resto dividido mais ou menos igualmente entre são-paulinos e corinthianos. O tempo todo havia sido assim, quando muito havia mais um palmeirense perdido em meio a rivais.
Mas aquele ano havia começado bem. Após o título perdido para o São Paulo, a diretoria anunciou antes da virada do ano novas contratações turbinadas pela Parmalat: Antônio Carlos Zago, Roberto Carlos, Edilson, Edmundo. Apenas o primeiro era um craque já consagrado, campeão da Libertadores pelo SPFC no primeiro semestre de 1992 e contratado após uma triangulação até hoje não muito bem explicada com o modesto Albacete, da Espanha. Os demais eram jovens de muito potencial, vindos de União São João, Guarani e Vasco, respectivamente.
Demorou um pouco a dar liga, como todo time que se remonta daquele jeito: depois da sofrida vitória por 2 a 1 sobre o Marília na estreia, de virada, num Palestra Itália com mais de 27 mil pessoas, o time alternou vitórias suadas e empates até a primeira derrota, para o Bragantino – eu tenho a impressão, sem checar, que a gente só foi ganhar a primeira em Bragança já no século 21 e que em Bragança foram anos de fumo atrás de fumo.
Teve a goleada por 4 a 0 sobre a Portuguesa em que Edmundo e Evair quebraram o pau no vestiário, com o segundo chamando o primeiro de “fominha”. E teve a queda do técnico Otacílio Gonçalves, o Chapinha. Numa terça-feira, o time perdeu para o Vitória por 2 a 1 em Salvador, na Copa do Brasil; na quinta, caiu diante do Mogi Mirim por 2 a 1, no Parque Antarctica, com um gol de Rivaldo.
Depois de dois jogos com o interino Raul Pratalli, inclusive uma derrota para o São Paulo, Vanderlei (na época Wanderley) Luxemburgo assumiu com uma vitória por 2 a 1 sobre o Rio Branco, em Americana. Era a 25ª rodada da fase de classificação, e o time terminou na liderança, com cinco vitórias e uma derrota nos jogos restantes – um só, mas doída: 3 a 0 para o Corinthians.
A liderança rendeu a chance de sair com um ponto extra no quadrangular semifinal, que teria como adversários Rio Branco, Guarani e Ferroviária. Nem foi preciso: vencemos os seis jogos e terminamos com 13 pontos em 12 possíveis. Na outra chave os três rivais e o Novorizontino se enfrentavam pela outra vaga, que terminou com o Corinthians. O mesmo Corinthians que havia ficado três anos a mais na fila por nossa causa, em 1974, agora tinha a chance de se vingar. E nós, passados anos e anos de frustrações, tínhamos de novo a chance de sair do inferno e voltar ao paraíso dos títulos.
No primeiro jogo. Evair, há mais de mês fora por causa de uma contusão, volta a aparecer, mas no banco de reservas. Era uma partida tensa e sem chances de gol até que Paulo Sérgio cava uma falta na ponta direita, perto do bico da área. Neto, então um dos maiores cobradores do país, cobra em curva, na direção do segundo pau, a defesa não corta, Sérgio não sai, Mazinho falha na cobertura e Viola entra de surpresa, só esticando e deixando a bola bater no pé esquerdo.
Eu não me lembro se na hora percebi a comemoração de porco. Provavelmente nem dei bola, fiquei só puto porque, como todo o time em campo, senti o peso dos 16 anos desabando sobre as minhas costas.
Não fiquei para ver o segundo tempo: fui para a igreja, para a reunião do grupo de jovens que supostamente começava às 5. Não tinha a menor condição emocional para continuar em frente à TV. Claro que o encontro começou atrasado e claro que fiquei o tempo todo com a cabeça longe; num tempo sem celular, só respirei aliviado quando os atrasados chegaram com a notícia de que tinha acabado 1 a 0 mesmo. Depois da missa e das dezenas de gozações, já à noite, voltei para casa, vi o recém-nascido Cartão Verde como de costume e soube que Evair tinha entrado no segundo tempo, ainda à meia-bomba. Restava esperar. Esperar. Esperar.
Felizmente o jogo foi antecipado para sábado porque, descobri dia desses pesquisando para este texto, a Globo morreu com uma grana para os finalistas, já que no domingo teria GP do Canadá de F1, à tarde, e também jogo da Seleção contra a Inglaterra (1 a 1, nos EUA, por um torneio amistoso). Band e a finada Manchete também detinham os direitos, mas não se opuseram. E assim, depois de uma semana em que dias demoraram o equivalente a três eras glaciais para passar, chegou o sábado, 4 da tarde. E eu não estava na frente da televisão.
Mas não era medo, era só um atraso que não era culpa minha num compromisso em que acompanhava um amigo do meu pai numa visita a uma família carente. Não obstante, antes de me deixar em casa, ele ainda parou em uma loja de cortinas ou algo que o valha.
E foi nessa espera que, sozinho, no rádio de um carro que não era o meu, ouvi o gol do Zinho. Demorei alguns eternos segundos para ter certeza de que era do Palmeiras, e tive que segurar as lágrimas na hora que o dono do carro entrou. Cheguei em casa antes do fim do primeiro tempo, consegui ainda a confusão do Edmundo com o Paulo Sérgio, depois vi o gol do Zinho nos melhores momentos e depois todo o segundo tempo numa mistura de euforia, com os gols de Evair e Edilson, e desespero. Porque ainda havia a prorrogação.
Esse formato foi usado em boa parte dos mata-matas no futebol brasileiro entre os anos 1970 e 1990 e, acho, ainda se usa no futsal: não importa o saldo de gols, apenas o vencedor da partida. No caso de cada um ganhar uma, haveria uma prorrogação que praticamente equivalia a uma nova partida – e o Palmeiras, com melhor campanha, tinha a vantagem do empate considerando apenas o resultado da prorrogação. É por isso que, se você reparar nos VTs, o placar volta a ser 0 a 0 no início do tempo extra.
Então, assim que a prorrogação ia começar, meu pai me chamou. “Estamos indo pra festa junina agora, você vai com a gente ou vai de ônibus depois?” E aí entra o contexto: aqui em Sorocaba existe há décadas uma festa junina beneficente, na época conhecida como “festa do CIC”, por ser realizada na praça que fica em frente ao estádio que a TV chama de Walter Ribeiro, mas para nós da cidade é o CIC. E a entidade assistencial da qual meus pais participavam, a mesma que havia me tirado de casa mais cedo, comandava uma das barracas de comidas típicas. E eu ajudava como garçom. E o sábado era o dia gordo da festa. E meu pai precisava sair logo, não poderia esperar, porque tinha um valioso bilhete para o estacionamento embaixo da marquise do estádio, mas se chegasse tarde lotava e ele não queria perder a chance, estacionar na rua era complicado, perigoso, o carro estava sem seguro.
Andar de ônibus não era problema para mim, nunca foi. E, de fato, não seria problema se eu demorasse a chegar, porque a festa só enchia depois das 8. Mas eu resolvi aceitar o convite porque simplesmente não tinha, de novo, a menor condição emocional de seguir em frente à TV. Entrei no carro, sentei no banco do passageiro com minha mãe atrás, como fazíamos quase sempre desde que minhas pernas ficaram muito maiores que as dela, e fui tentando ouvir o jogo no rádio quase imprestável. Passamos pegar um casal amigo no bairro vizinho, e assim que o seu Nóbrega, corinthiano, entrou no carro, saiu o pênalti. Ele murmurou qualquer coisa sobre “roubalheira” que ignorei pra não soar mal-educado, e cruzávamos o muro de um dos cemitérios da cidade, com direito a uma breve falha do rádio, quando Evair marcou o gol libertador e José Silvério pôde soltar a sua voz.

Chegamos a tempo do meu pai conseguir estacionar sob a marquise e fiquei sozinho no carro ouvindo o resto da prorrogação, ainda sob um fiapo de angústia em meio à euforia: “mas e se eles virarem?” O apito final seguiu-se do meu grito, sozinho, quase um urro de alívio, e depois horas e horas de sorrisos, jamais alguém trabalhou tão contente naquela festa junina, os palmeirenses se reconheciam sem necessidade de uniforme, só pelos sorrisos e olhos brilhantes. O Palmeiras, enfim, era campeão. E esse dia 12 de junho de 1993, depois de três Libertadores, cinco Brasileiros, quatro Copas do Brasil e seis Paulistas, entre outros canecos. Todos eles festejados, comemorados, sempre vistos, esse dia especial jamais será esquecido.
Comentarios